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Foto do escritorRogério Baptistini Mendes

Bolsonaro e a política das trevas

Atualizado: 29 de jul.

Eleito para o exercício de um mandato presidencial sob regime de governo democrático, Bolsonaro se comporta como um monarca absoluto. O que torna ainda mais dramática a sua atuação é ela ser motivada por um desprezo completo pela Constituição que ele jurou defender.

Thomas Wakley


Em sua edição de 9 de maio de 2020, a revista The Lancet dedicou editorial ao país. Sob o título COVID-19 in Brazil: So What? afirmou que o presidente Jair Bolsonaro representava uma ameaça no combate à pandemia e que a desordem no governo constituía “uma distração mortal no meio de uma emergência de saúde pública e, também, […] um forte sinal de que a liderança do Brasil [havia perdido] sua bússola moral.”


The Lancet não é uma publicação qualquer. Criada no século XIX pelo cirurgião e membro do parlamento em Finsbury, Thomas Wakley, a revista é uma das mais influentes do mundo na categoria medicina geral e ultrapassou a edição de número 10 mil. Merecer um editorial quando a saúde pública global está em questão poderia ser motivo de júbilo, por indicar alguma contribuição da ciência brasileira ou, ainda, da administração pública, no enfretamento da doença que coloca o mundo de joelhos, ameaça o modo de vida e acaba com a segurança quanto ao futuro. Mas é exatamente o contrário o que acontece.


Thomas Wakley era um reformista. Graças a ele foi criada uma lei médica, no ano de 1858, que instituiu o conselho geral de educação e o registro médico na Inglaterra. Seu combate era por uma medicina baseada em evidências, livre da corrupção, do charlatanismo e do preconceito. Era um homem que, no Brasil de nossos dias, encontraria pares atuando como médicos, professores universitários, líderes profissionais. Infelizmente, encontraria, igualmente, barreiras ao exercício de sua atividade.


Em tempos de pandemia, a medicina é recurso valioso. Médicos e demais profissionais de saúde são imprescindíveis. E devem contar com recursos para bem socorrer a população. O problema é que, como sabemos, e bem lembrou The Lancet, na sociedade não basta haver o conhecimento acumulado, quem o exerça e as ferramentas para o seu exercício. É preciso que as condições sejam propícias à prática, caso contrário, pouco pode ser feito. Em nosso caso, na maioria dos municípios, em que pese a existência do Sistema Único de Saúde, falta tudo.


A carência de profissionais e de recursos é uma questão que não é exclusiva do Brasil. Outros países padecem a mesma dificuldade, ocasionada pela lógica financeira que acompanha a expansão do capitalismo na virada do século. A ênfase no curto prazo, no mercado como espaço dotado de capacidade de autorregulação, se dissemina como praga pelo mundo, desmontando, onde existam, as estruturas de educação, previdência e saúde pública. O planejamento e a prevenção são dizimados em nome de um suposto triunfo da liberdade do indivíduo. E chegamos ao que interessa: o presidente Jair Bolsonaro.


Eleito para o exercício de um mandato presidencial sob regime de governo democrático, Bolsonaro se comporta como um monarca absoluto. O que torna ainda mais dramática a sua atuação é ela ser motivada por um desprezo completo pela Constituição que ele jurou defender. Aliás, em muitos aspectos, sua única ambição parece ser deitar abaixo a Carta e os valores nela contidos para, sob terra arrasada, iniciar uma dinastia. A mortandade dos brasileiros até pode contribuir para isso, sendo justificada pelo destino inescapável.


Em alguns aspectos de seu comportamento como governante, Bolsonaro lembra o rei George III, morto em 1820, apenas 3 anos antes da criação da revista The Lancet, o qual, teve problemas de aprendizado, sofreu com o sentimento de inadequação, amava histericamente os filhos e, doente por conta da porfiria, enfrentou problemas para os quais não tinha preparo. Ele, como Bolsonaro, gerava tempestades políticas quando agia.


Um rei herda o poder e imagina fazer parte de uma categoria especial de seres humanos, que governa com base em um direito inato, divino; o presidente, não. É eleito pelos seus concidadãos para exercer um mandato cuja finalidade é o bem comum da sociedade política. Para se prevenir dos seus arroubos há os freios e contrapesos do sistema político. É triste observar que em meio às mortes que se avolumam, Jair Bolsonaro tem quem o acompanhe em seus delírios, como é o caso dos que saem às ruas em manifestações contra os poderes constituídos e, também, dos espertalhões que lucram na desgraça e parasitam o Estado. Todos ofendem a vida, direito fundamental sem o qual os demais direitos não passam de letra morta. No fundo, o que os alimenta é a escuridão.


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